Os pastores da noite (Jorge Amado)

AMADO, Jorge. Os pastores da noite. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Jesuíno Galo-Doido, Curió, Cabo Martim, que torna-se sargento Perciúnculo, Tibéria, Otália, Marialva, Pé-de-Vento, Massu das Setes Portas, Veveva, Ipicilone, Dona Filó, Cravo na Lapela… sem esquecer os orixás Ogum e Exu. Este é o universo literário de Jorge Amado. 

Em Menino grapiúna, uma pequena autobiografia, o escritor se afirma como um “romancista de putas e vagabundos”, dos despossuídos e das “mulheres marcadas com ferro em brasa”. Na vida e na literatura teria buscado a aproximação “daqueles que todos os regimes e todas as sociedades desprezam, repelem e condenam”. 

Publicado pouco antes do golpe de 1964, “Os pastores da noite” é uma boa representação da obra do autor baiano. Afinal, seus personagens são aqueles que “construíam a noite com o material do desespero e do sonho”, pessoas a “pastorear pelas ânsias e ambições”, “pastores da noite sem rumo, sem calendário e sem emprego”, gente “sem eira nem beira”. Gente do povo que em suas diferentes posições, lugares e status sociais organizam suas estratégias de sobrevivência. 

O livro é composto por três histórias que possuem relativa autonomia, como se fossem três novelas do gênero literário. As personagens são as mesmas, existindo referências de acontecimentos de uma história para outra. Aliás, o Jorge Amado costuma entregar logo o que vai acontecer, mas não o faz ser previsível ou desinteressante, pois ele é, sobretudo, um grande contador de histórias.

Reconhecidas e dividas por temáticas, a primeira trama aborda os costumes, as condutas e códigos morais, das amizades, dos amores e dos dissabores. Retrata também a vida suburbana de Salvador da época. É aqui também onde ele melhor descreve as características, os jeitos e trejeitos das principais personagens. A terceira história tem como fio condutor a luta por moradia — tema que emergia naquele período nas periferias dos grandes centros urbanos, como era a antiga cidade da Bahia.

Porém, o ponto alto da obra é “O compadre de Ogum”. Jorge Amado nos ensina sobre o candomblé e seu rito e rituais, nos faz rir com as travessuras de Exu, refletir sobre as relações étnico-raciais e o sincretismo religioso. Este último costuma ser interpretado por duas vias. A primeira, como uma chave da resistência e estratégia de sobrevivência. Ou seja, as religiões de matriz afro foram misturadas as crenças, simbologias e santos católicos como forma de ser melhor aceitas, de fugir de perseguições. Como segunda possibilidade de leitura, há também de se pensar nas entidades africanas (orixás) associados a santos católicos como reinvenção e circularidade de culturas.

A literatura é uma boa forma de acessar a complexa teia social de um Brasil oficial e oficioso, e que tem em Jorge Amado um dos nossos melhores intérpretes.

Lucas Menezes

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