BERARDI, Franco. Asfixia: capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem. São Paulo: Ubu editora, 2020

A obra contém dois ensaios do autor. “Insurreição: poética e finanças”, originalmente publicado em 2011, dialoga com os efeitos da crise econômica de 2008, o colapso neoliberal e as mobilizações de massa que emergiam. “Respiração: caos e poesia” é o segundo ensaio e data de 2018, no contexto de ascensão do “trumpismo”, mas retomando discussões do texto anterior (o que deixa o livro um pouco repetitivo).
Para o filósofo italiano, vivemos em um mundo de “hiperabstração digital-financeira” que está liquidando o “corpo vivo do planeta” e o nosso “corpo social”. A economia, reduzida a finanças, perdeu seus vínculos territoriais e com a produção material, abrindo “caminho para a proliferação desterritorializada e rizomática das relações de poder econômico”. Se o dinheiro é separado do seu referente, similar ocorre na linguagem, onde as palavras perdem seus referentes semióticos. Dinheiro e linguagem passam a se autorreferenciar pelos mercados financeiros e pela cadeia algorítmica da infoesfera, nos condenando a uma “escravidão matemática” e uma vida cada mais automatizada (e brutalizada).
No capitalismo semiótico o aumento da produtividade é a aceleração da infoesfera que exige uma superexploração do cérebro social e nos leva ao colapso mental. A nossa sociabilidade deixou de ser “conjuntiva” para ser “conectiva”. Uma mudança de caráter antropológico que reformata nossos processos cognitivos. A conjunção é o devir no outro, exige relação corpórea, já a sociabilidade conectiva promove uma interação funcional e cada vez mais matematizada pela linguagem digital que, sem margens para ambiguidades, vai minando nossa sensibilidade e empatia (obstáculos à rapidez e eficácia econômica). A ansiedade, o pânico, a depressão e a ideação suicida crescentes são sintomas de um mundo que minou as relações afetivas e de solidariedade social.
Para Bifo, como é conhecido, está na linguagem poética e na arte as ferramentas necessárias para criar sentidos e experiências que nos permitam escapar da “asfixia” da máquina tecnolinguística. Algumas discussões, que aparecem sempre muito fragmentadas, beiram o “nonsense” e, ao fim, a sensação é de uma atitude de resignação frente ao caos e o automatismo capitalista.
Entendo que Bifo propõe criar experiências de fuga coletiva pela subversão da linguagem poética e acomodação performática ao caos e a indeterminação reinantes no mundo, ao invés de construir formas estáveis de sociabilidade solidária. Tributo a ser pago pelos seus referencias teóricos, a exemplo de Gattari e Deleuze, sua rejeição à várias categorias da economia política e a teoria do valor-trabalho. Todavia, é uma leitura interessante para pensar algumas dimensões da articulação do capitalismo com as tecnologias digitais.
Lucas Menezes Fonseca